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    ‘Os setores ligados ao agronegócio e à saúde irão sofrer menos’

    Leia entrevista do L’Attualità com o empresário são-marquense Flávio Sandi, diretor financeiro da Bontempo Móveis

    5 anos atrás

Na manhã desta quarta-feira, 2 de abril, o L’Attualità entrevistou o empresário local Flávio Sandi, diretor financeiro da Bontempo Móveis, para analisar os impactos da crise causada pelo coronavírus para a economia de São Marcos, alicerçada na indústria de autopeças com foco no caminhão, indústria de móveis e vinho, transportes e agricultura. Flávio, 64 anos, é formado em Administração de Empresas, pós-graduado em Finanças e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Para ele os setores menos atingidos serão aqueles que possuem ligação com o agronegócio e com a saúde. Vinculado ao agronegócio, Flávio prevê menos impacto para os transportadores são-marquenses que atuam no setor de grãos e as indústrias locais de peças de caminhão para o mercado de reposição, bem como prestadores de serviços para os caminhoneiros. Acompanhe abaixo entrevista na íntegra.

L’Attualità: Avaliando o perfil da economia de São Marcos, em quais setores você acredita que teremos mais ou menos impacto da crise do coronavírus?

FLÁVIO SANDI: Na minha opinião eu acho que o que menos vai ser impactado será o setor da saúde e o setor do agronegócio, porque primeiro que o Brasil é um grande fornecedor de alimentos para o mundo e segundo que a comida não pode faltar, setores ligados a esses dois setores não é que não vão sofrer, mas vão sofrer menos.

‘Vai ter uma queda brutal na economia como média, é o que todos os principais economistas do país estão esperando’

L’Attualità: E o setor de transporte, bastante representativo para a economia são-marquense, como ficará?

FLÁVIO SANDI: Todos os setores ligados a estes dois setores (saúde e agronegócio) vão sofrer menos, no caso o transporte é um deles.  O transporte de grãos e de alimentos, porque tem toda uma cadeia envolvida nesse setor, tem a indústria que trabalha com grãos que processa, que industrializa alimentos, toda ela vai sofrer menos, e, consequentemente, o transporte também. Porém outros setores vão sofrer mais, o que vai afetar o transporte também. Então depende a que tipo de transporte está ligado cada empresa. Por exemplo, aqui em São Marcos é muito forte a fabricação de autopeças, então tem indústrias de autopeças de São Marcos ligadas a montadoras e outras, a maioria, ao mercado de reposição. As montadoras estão com pátios cheios de caminhões, estão de férias coletivas, acho que vai retomar um pouco mais devagar, acho que vai sofrer um pouco.  O mercado de reposição, em alguns lugares onde está fortemente ligado à saúde, à alimentação, ao agronegócio, terá demanda, mas esse vai ser um período muito complicado, porque a recomendação é de isolamento. Então quem pode ficar em casa fica. A indústria vai produzir, mas vai ter menos demanda, vai ter gente que não vai poder trabalhar, representantes não vão poder viajar, eles vão fazer isso por internet, telefone, é um período de exceção, mas tudo isso complica bastante os negócios, vai ter uma queda brutal na economia como média, é o que todos os principais economistas do país estão esperando.

O problema do vírus ainda não atingiu seu pico, a população em geral ainda não entendeu bem a gravidade, e mais uns 15 dias, 20 dias vai se perceber mais, vai se agravar’

Estávamos trabalhando com crescimento ao redor de 2% para este ano, esta era a expectativa para o Brasil. O Brasil acelerando já estão falando em menos de 1%, talvez 2%, talvez até mais negativo o PIB deste ano aqui, vai ser um ano realmente difícil, por outro lado os principais economistas do país, aqueles que são os principais bancos do país, que são os mais  assertivos, estão otimistas ao longo prazo, estão falando entre 3,5% e 5,5% de aumento do PIB para 2021 no Brasil, então já é o mercado retomando a partir do ano que vem. Mas 2020 vai ser um ano realmente muito difícil, todo mundo vai perder bastante e infelizmente é isso. O problema do vírus ainda não atingiu seu pico, a população em geral ainda não entendeu bem a gravidade, e mais uns 15 dias, 20 dias vai se perceber mais, vai se agravar.

‘Vai ter muito dinheiro entrando na economia para esses setores que vai ajudar muita gente, sem isso seria um caos social’

O plano do governo é um programa para injetar na economia alguma coisa ao redor de 760 bilhões de reais em 3 meses, isso é uma coisa histórica, nunca vi no Brasil, significativa em relação ao PIB brasileiro. Pra  ter uma ideia, para toda aquela euforia com o ganho da reforma da previdência, era pra economizar 100 bilhões de reais por ano, para agora injetar quase 800 bilhões  em 3 meses, então isso vai ajudar bastante a economia, especialmente a população mais carente, porque muitos vão perder emprego, vão depender do seguro desemprego, então seriam amparados neste momento, é um projeto de preservação de emprego muito importante, que vai permitir que as empresas negociem com seus funcionários para que, para esses momentos de quedas, as empresas que tiveram quedas muitos fortes nas vendas possam fazer um acordo com seus funcionários sem haver desligamentos. Vai ter muito dinheiro entrando na economia para esses setores que vai ajudar muita gente, sem isso seria um caos social.

‘Nós precisamos atender a saúde, nós precisamos atender a alimentação, nós precisamos trabalhar, não tem como não trabalhar’

L’Attualità: Você acredita que a condução desta crise pelo governo brasileiro está adequada do ponto de vista da saúde e da economia?

FLÁVIO SANDI: Olha eu acho que está havendo uma briga, uma disputa política para 2022, acho que estão conduzindo da forma assim ‘ou é 8 ou 80’, penso que não é esse o caminho, não é 8 nem 80, o ideal seria que todos ficassem em casa em isolamento e a gente passaria isso muito rápido, mas isso realmente não é possível neste momento, nós precisamos atender a saúde, nós precisamos atender a alimentação, nós precisamos trabalhar, não tem como não trabalhar.

‘Mas, infelizmente no Brasil, quem é um pouco inteligente percebe que está havendo já uma disputa política visando 2022’

Então não pode ser nem 8 nem 80, eu acho que a gente tem que ver que podemos trabalhar de uma forma segura. Alguns setores podem ser mais sacrificados, tem que parar, por ter mais exposição,  por um período não muito longo, do contrário não vai suportar, então acho que estão falando muito em 8 e 80 ali, um quer tudo, um não quer nada, o presidente ontem parece que já deu um discurso mudando um pouquinho o tom da conversa, o Ministério da Saúde também defende o isolamento, mas também reconhece que é preciso trabalhar. Não é possível parar porque senão vai haver um desemprego enorme, então acho que devagar as coisas vão indo para o eixo. Mas, infelizmente no Brasil, quem é um pouco inteligente percebe que está havendo já uma disputa política visando 2022, então todo mundo quer puxar para o seu lado, infelizmente é isso.

L’Attualità: Estão ‘politizando’ o vírus.

FLÁVIO SANDI: O ideal é que houvesse uma liderança racional e que todos seguissem essa liderança para que todo mundo trabalhasse junto, juntos puxando para o mesmo lado e puxando pelo melhor. É que na verdade cada Estado tem uma necessidade diferente, tem uma situação diferente. Então o que o nosso governador estava falando, que o Rio Grande do Sul  tinha sido esquecido, porque o governo federal neste momento suspendeu a cobrança sobre as dívidas dos Estados com a União, mas alguns Estados, como Rio Grande do Sul, já não estavam pagando, então não mudou nada a situação para o Rio Grande do Sul, neste ponto o governador Eduardo Leite estava reclamando que ele precisaria de algo, alguma outra ajuda  financeira da União. Já São Paulo foi beneficiado pois ele pagava cerca de R$ 1 bilhão por mês e o pagamento da dívida foi suspendido, então cada Estado tem uma necessidade diferente, uma situação diferente, uns mais graves outros menos.

‘Mas o coronavírus não, esse as pessoas vão levando pelo ar, fica no ar, fica no chão, fica nos móveis, na roupa, nos calçados, no carro, fica, ele anda e, como ele é transmissível dessa forma tão fácil,  ele vai infectar muita gente e aí não tem infraestrutura para atender os casos graves’

L’Attualità: Você acredita que a estrutura de saúde do Estado do Rio Grande do Sul, ou mesmo da Serra gaúcha, é mais favorável neste momento do que em outras regiões brasileiras?

FLÁVIO SANDI: A região Sul e Sudeste do Brasil sempre foi mais desenvolvida, sempre teve as melhores condições, mas é uma condição independente se ela é um pouquinho melhor ou pior, é insuficiente para atender a demanda que vai ter, esse é o problema do mundo, inclusive país de primeiro mundo não tem infraestrutura para atender  uma demanda tão forte e os Estados Unidos estão fazendo hospital de campanha  de guerra no Central Park. É interessante um vídeo de uma palestra do Bill Gates em 2015, se eu não estou enganado, onde ele alerta o mundo,  porque ele é um homem que faz muitas doações para a saúde, ele é um dos maiores doadores pra erradicar a poliomielite, e ele dizia lá que o mundo não estaria preparado para uma epidemia que viesse pelo ar. Ele pegou como exemplo o vírus ebola, que na época se concentrou lá no Norte da África, como as pessoas ficavam doentes, ficavam em casa, não passavam adiante, morriam, e ficou localizado lá. Morreu muita gente, mas ficou localizado lá, mas o coronavírus não, esse as pessoas vão levando pelo ar, fica no ar, fica no chão, fica nos móveis, na roupa, nos calçados, no carro, fica, ele anda e, como ele é transmissível dessa forma tão fácil,  ele vai infectar muita gente e aí não tem infraestrutura para atender os casos graves, porque as pessoas que estão morrendo no mundo  estão morrendo por falta de respirador, de infraestrutura para atender uma demanda tão forte, porque o mundo se prepara pra uma média de atendimentos e os países, até os mais desenvolvidos, estão preparados para atender as demandas que historicamente vêm acontecendo.

L’Attualità: Acompanhando a manifestação do ministro da Saúde nesta quarta-feira (1), ele disse que o coronavírus veio questionar a forma como o sistema global de produção se organizou, concentrando a produção de remédios ou de equipamentos de proteção em um único país, como na Índia e na China. O que você pensa sobre isso?

FLÁVIO SANDI: Tem algumas coisas que dá para se pensar como sendo questão de segurança nacional, ter uma indústria que possa produzir certos equipamentos, certos materiais  que são essenciais à sobrevivência. Interessante que os governos se preparam para a questão da guerra e não se preparam para outras coisas que talvez são mais importantes nos dias de hoje, em que a guerra é cada vez menos provável.

‘Sempre vão acabar comprando onde alguém vai vender mais barato, então acredito até que o futuro não será na China, será em outros países como Vietnã, outros países de terceiro mundo’

L’Attualità: Mas na verdade essa preparação dos governos é para o ataque, tudo bem que as vezes é atacar para se defender, mas realmente eles não têm uma postura de defesa. Você acredita que, depois desta crise, na questão econômica vai haver uma valorização das indústrias nacionais, não só no Brasil como em outros países?

FLÁVIO SANDI: O que a história nos mostra é que não vai acontecer isso. Até pode acontecer um movimento de curto prazo de imediato, porque ainda está muito sensível o problema, mas é sempre o mercado. Tem um livro escrito em 1875, do economista chamado Adam Smith e ele trata dos mercados, e ele diz que a mão invisível do mercado organiza tudo. Ou seja, sempre vão acabar comprando onde alguém vai vender mais barato, então acredito até que o futuro não será na China, será em outros países como Vietnã, outros países de terceiro mundo que já são mais baratos do que a China e, devagar, vão começar a ganhar infraestrutura para isso. Infelizmente é assim, a questão financeira, monetária e capitalista leva à concentração, enfim nenhum dos sistemas são perfeitos, esse é um dos males do capitalismo.